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“Pejotização” e o uso da Stock Option nos modelos de remuneração médica – O caso da Rede D´or São Luiz

Em recente matéria veiculada no Jornal Valor Econômico (20/03/2024), noticiou-se a anulação de autuação fiscal no valor de aproximadamente R$ 1 bilhão de reais, resultado de uma suposta omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias devidas pela relação de emprego entre médicos e a respectiva rede hospitalar. Considerou-se ilícita a existência de vínculo de prestação de serviços autônomos, assim como abusivo o estabelecimento do plano de aquisição de participação societária, ou stock option.

Sem desconsiderar os argumentos do fisco, que vão no sentido de considerar simulada e abusiva a estrutura de remuneração gerida pela rede hospitalar, devemos antes entender o modelo tradicional de contratação e remuneração existente no mercado de serviços médico-hospitalares no Brasil, aplicável à grande maioria dos estabelecimentos de saúde privada.

Fruto de um arranjo estrutural histórico criado fundamentalmente pela vedação ao ímpeto mercantil nas relações médicas, o sistema de contratação de serviços de saúde Brasileiro sempre estimulou a criação de serviços autônomos, livres de vínculos trabalhistas, posto que baseados na independência funcional dos profissionais médicos.

Especificamente no que diz respeito à vedação de exploração do trabalho de médicos, as instituições de saúde tradicionalmente fundadas e administradas por iguais profissionais sempre respeitaram a liberdade de consciência, autonomia profissional e justa remuneração honorária (art. 63 do CEF), de forma a preservar a instância de atuação ética e independência técnica do ideal hipocrático.

Porém, tal somente não se mostra o único argumento em favor da realidade funcional existente, mas subjaz ao claramente no convencimento dos conselheiros do CARF, posto que os julgamentos se alinharam também em reconhecer que a terceirização da atividade fim é autorizada pelo art. 129 da lei 11.196/2005, conforme já decidiu o STF em julgamento da ADC 66/DF.

Com efeito, houve expressa menção na ratio decidendi sobre a liberdade de contratação e autonomia profissional como argumento de convencimento pela oportuna transferência/terceirização da atividade a quem dela possa apropriar-se para prestá-la com independência.

Quanto ao argumento do Acórdão recorrido de que as pessoas físicas foram constrangidas e/ou obrigadas a constituir pessoas jurídicas para sua contratação, a Recorrente acostou à sua Impugnação uma gama de declarações prestados pelos próprios médicos (sócios) das pessoas jurídicas mencionadas no AlIM (doc. 3), cujo conteúdo confirma que não foram coagidos a constituir pessoa jurídica para prestação de serviços à Recorrente e de que não possuem interesse na prestação de serviços como empregados, dadas as limitações que tal vínculo impingiria à sua liberdade profissional.

Nitidamente, houve clareza de se supor a priori, que a relação médica não se submete aos contornos de uma relação empregatícia clássica, eis que preserva os mandamentos de uma relação funcional independente, baseada na autonomia e liberdade de atuação dos profissionais, antes baseada na escolha racional de sua atuação e consciência crítica do que na dependência econômica em subordinação.

Já quanto ao Plano de Opção de Compra de Ações, houve ainda mais argumentos a favor de seu uso regular, eis que a proposta de incentivo à aquisição de participação pelos prestadores de serviços se deu em contexto de verdadeiro investimento, contabilizado na forma correta e passível de exercício privativo apenas aos que aderissem ao Plano.

Considerando-se a regularidade de um Plano de Opção de Compra de Ações baseado no que prevê o art. 168, §3º, da Lei 6.404/76, cujo critério foi estabelecido em condições de liberdade e incentivo ao ingresso dos beneficiários no Mercado de Ações, inexiste razão para considerar tal direito como remuneração salarial.

Dito isso, quando se pretende equiparar um Plano de Incentivo ao investimento no Mercado de Ações à verba salarial de natureza alimentar, há verdadeira inversão da lógica remuneratória, eis que o exercício de direitos a que se submete um médico dotado de crítica acerca do risco e ponderação de interesses não se subverte pela simples proposta de aquisição de ações, quando subordinada a certas condições.

Diante desse importante julgamento, sopesadas as diferenças que podem haver entre diversas estruturas de contratação e remuneração existente entre médicos e instituições de saúde, certamente haverá maior segurança e oportunidade para que haja aperfeiçoamento das relações profissionais e valorização da liberdade contratual.

Seguem os números dos Acórdãos que julgaram o caso:

processo nº 10166.720689/2017-18

processo nº 10166.730893 /2017-39

Dr. Homero Gonçalves

OAB/MG 99.915

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O plágio de Trade Dress

Trade Dress é o “conjunto imagem” de um produto, que engloba o uso de elementos distintivos que não são registrados no INPI, como a identidade visual de uma marca.

E plágio ocorre quando alguém copia ou reproduz o trabalho, ideias, palavras, imagens, ou outros elementos criativos de outra pessoa sem dar o devido crédito ou obter permissão prévia. Em essência, é a apropriação não autorizada da propriedade intelectual de outra pessoa.

Existem várias formas de plágio, incluindo-se, mas não se limitando a:

  1. Plágio literal: Copiar exatamente as palavras ou frases de outrem sem fazer qualquer alteração ou atribuição adequada.
  2. Plágio parcial: Copiar parte do trabalho de outrem, seja um parágrafo, uma seção ou uma ideia específica, sem dar crédito apropriado.
  3. Plágio de ideias: Apresentar as ideias de outra pessoa como se fossem suas, mesmo que você reescreva o texto original.
  4. Plágio de imagem: Usar imagens, ilustrações ou gráficos de outros sem permissão ou atribuição.

Assim, a reprodução, ainda que parcial, de um padrão previamente desenvolvido de identidade visual, pode configurar plágio. Mesmo não havendo plágio literal, isto é, cópia exata, a concepção de plágio é muito mais abrangente do que a reprodução idêntica de uma criação. Assim, a reprodução, ainda que parcial, de um padrão previamente desenvolvido de identidade visual, pode configurar plágio.

Tal conduta, além de ser extremamente antiética, violando os princípios da integridade criativa e da ampla concorrência, trata-se de crime previsto no Código Penal brasileiro, em seu art. 184.

Além disso, os direitos autorais encontram-se respaldados por força da Lei nº 9.610/1998, segundo a qual o titular da criação que seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada, poderá requerer a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível, nos termos dos arts. 102 e 103.

Porém, acima de tudo, o plágio de Trade Dress configura-se como concorrência desleal, visto que a baixa distintividade do trade dress (conjunto-imagem) é suscetível de acarretar dificuldade de identificação e distinção no mercado consumidor, ainda mais caso se tratem de produtos do mesmo nicho.

Se as empresas explorarem um mesmo segmento de mercado, poderá caracterizar-se, ainda, escopo de concorrência desleal com potencial para provocar desvio de clientela, tratando-se, portanto, de comportamento parasitário e indução a erro de consumidores em geral.

Em tais casos, via de regra, cabe à empresa violada: recorrer ao Poder Judiciário por uma ordem de abstenção de uso e ressarcimento pela utilização desautorizada da sua identidade visual; e, por se tratar de infração à ordem econômica, acionar o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), por meio de uma denúncia, posto que referido órgão tem como missão zelar pela livre concorrência no mercado, sendo a entidade responsável, no âmbito do Poder Executivo, por investigar e decidir sobre a matéria concorrencial.

Dr.ª Mariana de Oliveira Alves

 OAB/MG 201.586

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Uma análise da responsabilidade civil por erro médico no atendimento prestado pelo SUS

O Sistema único de Saúde – SUS proporciona o acesso universal ao sistema público de saúde, sendo um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde pública do mundo. A gestão das ações e serviços é compartilhada entre os três entes da Federação: a União, os Estados e os municípios. Assim, tendo em vista que nos serviços prestados pelo SUS, temos o Estado à frente dos serviços prestados, a responsabilização civil por erro médico ocorre de forma diversa de quando o serviço é prestado de forma particular.

Inicialmente, cumpre informar que o Código de Defesa do Consumidor não é aplicável aos atendimentos médicos custeados pelo SUS, devendo-se aplicar as regras que tratam da responsabilidade civil do Estado. O Estado possui a chamada responsabilidade civil objetiva, a qual independe do juízo de culpabilidade do agente causados do dano. Desse modo, estando demonstrado o nexo de causalidade da ação ou omissão do agente com o dano suportado, já é possível a responsabilização. Isso se dá em razão da “teoria do risco administrativo”, previsto no artigo 37, § 6º da Constituição Federal:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(…)

  • 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Através do artigo supracitado, é possível perceber que tanto o servidor público quanto o particular, atuando como agente públicos, ao causarem danos a terceiros, fazem nascer para a vítima o direito de ressarcimento sob a ótica da responsabilidade objetiva e, portanto, sem necessidade de demonstra a culpabilidade do ente.

O médico ao prestar serviços para o SUS ostenta a posição de agente público. Desse modo, suas condutas são conduzidas pela responsabilidade civil objetiva, podendo a vítima invocar o Estado para ressarcimento, nos termos do dispositivo constitucional referido acima.

Por conseguinte, quando ocorre um erro médico praticado por agente público, restando demonstrado o dano e o nexo de causalidade, o ente público fica obrigado a reparar ou indenizar a vítima, na medida da extensão do dano.

É possível afastar a responsabilidade objetiva do Estado quando não se verifica nexo de causalidade entre a ação ou omissão do agente e o dano causado, seja por culpa exclusiva da vítima ou por força maior.

A teoria do risco administrativo permite, desse modo, que o Estado possa ser acionado de forma mais precária e rápida, vez que não há necessidade de demonstrar a culpabilidade.

O Supremo Tribunal Federal, a partir do tema 940 da repercussão geral, decidiu que o agente público não é parte legítima para figurar no polo passivo das ações de danos, devendo essas serem interpostas em desfavor do Estado ou pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público:

A teor do disposto no art. 37§ 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa

Dessa forma, nas ações indenizatórias por erro médico, quando o atendimento foi prestado através do SUS, o médico não é parte legítima para figurar no polo passivo, devendo a ação ser interposta em face do município. Isso não significa dizer, conduto, que o médico não será responsabilizado. De modo a não gerar danos ao erário, o ente público poderá interpor ação de regresso em face do médico.

Quanto a essa ação regressiva, cumpre informar que se o médico não se defender na ação indenizatória de origem, ele deve propor ação rescisória daquela, uma vez que a ação de regresso pressupões como verdadeiros os fatos analisados e julgados na ação pretérita, não sendo possível rediscutir a coisa julgada.

Portanto, na ação regressiva da Administração Pública em face do médico, não é possível discutir a constituição do erro médico, em razão do princípio da coisa julgada. Porém, é possível que o médico interponha ação rescisória, com base nos artigos 966 e 967, II, do Código de Processo Civil, ocasião em que poderá rediscutir se houve ou não o erro médico.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm. Acesso em: 03 abr. 2024..

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 de março de 2015. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 03 abr. 2024.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. CDC não é aplicável a atendimento custeado pelo SUS em hospitais privados conveniados. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/06082020-CDC-nao-e-aplicavel-a-atendimento-custeado-pelo-SUS-em-hospitais-privados-conveniados.aspx>. Acesso em: 03 abr. 2024.

BRASIL. Governo Federal. Ministério da Saúde. Sobre o SUS. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/sus#:~:text=O%20Sistema%20%C3%9Anico%20de%20Sa%C3%BAde,toda%20a%20popula%C3%A7%C3%A3o%20do%20pa%C3%ADs. Acesso em: 03 abr. 2024.

SOUZA, Maria Luiza de. Responsabilidade civil do médico no SUS e a ação regressiva do Estado. Jusbrasil. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/responsabilidade-civil-do-medico-no-sus-e-a-acao-regressiva-do-estado/1172907595#:~:text=Nesse%20sentido%2C%20quando%20se%20tem,de%20responsabilidade%20objetiva%20do%20Estado. Acesso em: 03 abr. 2024.

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios- TJDFT – 2ª Câmara Cível – Acórdão 1154804, 00040136020168070018 TJDFT; Relator Sandoval Oliveira; Julgamento em 27/02/2019; Publicação: 10/03/2019. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/saude-e-justica/saude-publica/responsabilidade-civil-do-estado-2013-erro-medico. Acesso em: 03 abr. 2024.

UNIÃO não tem legitimidade passiva em demanda que envolve erro médico e SUS. Buscador Dizer o Direito. Disponível em: https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/8d3bba7425e7c98c50f52ca1b52d3735. Acesso em: 03 abr. 2024.

Dra Larissa Lacerda 

OAB/MG – 203.305